domingo, 29 de setembro de 2013



AQUELE CARA
Dellani Lima, 2013, 15'

É uma pena enorme – na verdade um erro – que um dos mais belos curtas brasileiros do ano não tenha sido selecionado para a mostra Competitiva Brasileira do 15º Festival de Curtas de BH. O prêmio dado pela Curta Minas repara um pouco a injustiça, mas na verdade isso importa pouco, porque a beleza desse filme único, dirigido por Dellani Lima, se impõe como uma evidência de rigor e de clareza poética. Em algum momento do curso que ministrou ao longo do Festival, citando Epstein, Nicole Brenez falava da necessidade de uma "poesia mais rigorosa" contra a afasia do cinema dominante. Pois esse desejo acharia sua contraparte prática, sua realização imediata, nesse encontro – pois na verdade é disso que se trata, de um encontro – entre Jonnata Doll e Dellani Lima. Os filmes desse último sempre oscilaram entre o entusiasmo e a serenidade, entre picos de desespero criativo – o afeto, o barroquismo, a eloquência – e um certo decadentismo romântico – a fossa, a frustração. Mas existe também uma faixa, uma frequência intemediária, de concentração de energia, e de preferência pelas formas e pelas soluções simples. É o caso de Aquele Cara, que usa a mesma estratégia de Calça de Veludo, mas na verdade traz à memória um outro filme, de título punk e cores lunares, o distante Quando morri na Bahia de Guanabara. Tendo escolhido não dizer nada nesse filme de oito anos atrás, Dellani, não muito longe de um auto-retrato, encontra em Aquele Cara a melhor pessoa para dizer aquilo que ele jamais saberia ou poderia dizer sobre si mesmo. A isso vem se somar a intimidade do enquadramento, e o tratamento sublime, quase erótico, do som e da imagem. Quanto a Jonnata é difícil dizer qualquer coisa sobre ele e não parecer leviano. Não é apenas a lucidez daquilo que ele diz, e a beleza daquilo que canta, que é desconcertante – e que nos faz sentir a todos um pouco mais vivos, um pouco menos banais. É desconcertante também a verdade e a felicidade daquela conjunção de coisas – o rosto cinematográfico, pasoliniano, o mar, as pedras, e a presença flutuante de uma mulher – tudo admiravelmente simples e necessário. 

2 comentários:

  1. Grandes palavras sobre um filme que as merece, João. Parabéns pela sua sensibilidade e ao Dellani que fez essa pequena joia.

    Sobre teu comentário de que foi "um erro" o filme não estar na Competitiva Brasileira do festival, venho aqui como um dos membros da comissão de seleção deste ano para registrar que em nada o filme esteve diminuído ao competir na Minas. Na verdade, antes de ser ruim ao filme estar na Competitiva Minas, foi ótimo à própria mostra que ele estivesse lá, exatamente por sua qualidade. Foi-se o tempo em que a Minas era uma "mostra" simplesmente, quando o festival tentava encaixar ali os mineiros que "sobravam". De uns poucos anos pra cá, ela foi se tornando espaço de filmes potentes e fortes, vistos e avaliados com o mesmo rigor que a Brasileira, porém com este recorte local que o festival exige. Especificamente neste ano, sob coordenação da Ana Siqueira, optou-se por um recorte quase radical, em que apenas duas sessões da Competitiva Minas foram programadas, exatamente para enxugar a quantidade de filmes e tornar as sessões mais consistente e sem gorduras. Filmes como "Aquele cara" e "Salamaqats", em especial (e cito-os por serem meus preferidos em particular) apenas engrandeceram a competitiva de produções mineiras. Poderiam estar na Brasileira? Claro que sim. Mas estiveram na Minas e passaram bonito, e tiveram um júri e premiação tanto quanto a Brasileira também teve.

    Um abração.

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    1. Ei Marcelo, obrigado pelo comentário. Sobre o "erro", entenda menos como uma censura à comissão (já fiz parte, sei como é) do que uma tomada de partido incondicional e apaixonada a favor do filme. abração, João.

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